Administrativo

May 24, 2024 - por Edpo Augusto Ferreira Macedo

A discussão sobre o conceito de Direito Administrativo é rica e variada, envolvendo diferentes escolas de pensamento que abordam este ramo do direito sob diferentes prismas.

Direito Administrativo

Escola Francesa

A escola francesa, representada por estudiosos como Ducrocq, Batbie e Gianquinto, entende que o Direito Administrativo consiste no estudo do sistema de leis que regem a Administração Pública. Esta perspectiva, contudo, é criticada por limitar a função do Direito Administrativo à mera catalogação da legislação administrativa. Essa visão é considerada inadequada por duas razões principais:

  1. Redução da Missão do Direito Administrativo: Restringe a função do Direito Administrativo à compilação de normas, sem considerar a aplicação prática e a interpretação dessas normas.

  2. Inversão da Posição da Ciência do Direito: Subordina a Ciência do Direito às normas legais existentes, ao invés de reconhecer os princípios doutrinários deveriam informar a legislação.

Escola Italiana ou Subjetivista

A escola italiana ou subjetivista, composta por autores como Meucci, Ranelletti, Zanobini e Raggi, limita o Direito Administrativo ao estudo dos atos do Poder Executivo. Esta abordagem se concentra na origem do ato administrativo, considerando quem o pratica, e não o ato em si. No entanto, essa perspectiva tem suas limitações:

  1. Foco Exclusivo no Executivo: Exclui atos administrativos praticados pelo Legislativo e pelo Judiciário, embora estes também desempenham funções administrativas, ainda que em menor escala.

  2. Visão Limitada da Realidade Administrativa: Ao não considerar os atos administrativos de outros poderes, esta escola não captura a totalidade das atividades administrativas que ocorrem dentro do Estado.

Outras Perspectivas

Há também autores que não se filiam estritamente a nenhuma escola, oferecendo visões distintas sobre o Direito Administrativo:

  1. Foignet: Entende que o Direito Administrativo regula os órgãos inferiores, deixando a atividade dos órgãos superiores da Administração Pública para o Direito Constitucional.

  2. Berthélemy: Enxerga o Direito Administrativo como regulador de todos os serviços públicos que auxiliam na execução das leis, com exceção dos serviços da Justiça.

  3. Laferrière: Expande o conceito para incluir a ordenação dos serviços públicos e a regulamentação das relações entre a Administração e os Administrados.

Conceito de Direito Administrativo

A diversidade das definições de Direito Administrativo indica a existência de um desencontro doutrinário sobre o conceito deste ramo jurídico, variando conforme a escola e o critério adotado pelos autores que buscam caracterizar seu objeto e demarcar sua área de atuação. Essa multiplicidade de entendimentos reflete as diferentes abordagens e perspectivas adotadas por diversos doutrinadores.

Doutrina Estrangeira versus Concepção Nacional

A doutrina estrangeira, conforme apontado, não é plenamente adequada para fornecer o exato conceito do Direito Administrativo brasileiro. Isso ocorre porque a concepção nacional deste ramo do Direito Público Interno difere, propiciando uma combinação dos critérios subjetivo e objetivo do conceito de Administração Pública. Segundo Barros Jr., o Direito Administrativo brasileiro engloba todas as funções exercidas pelas autoridades administrativas de qualquer natureza, consideradas tipicamente administrativas.

Abrangência do Direito Administrativo Brasileiro

O Direito Administrativo, como praticado no Brasil, não se limita aos atos do Executivo, mas também abrange os atos administrativos do Legislativo e do Judiciário. Esses atos são considerados atividades paralelas e instrumentais às funções predominantes de legislar e julgar.

O conceito do Direito Administrativo brasileiro pode ser sintetizado como:

O conjunto harmônico de princípios jurídicos que regem os órgãos, os agentes e as atividades públicas destinadas a realizar concreta, direta e imediatamente os fins desejados pelo Estado (Meirelles).

Análise dos Elementos do Conceito

  1. Conjunto harmônico de princípios jurídicos: Refere-se à sistematização de normas doutrinárias de Direito, indicando o caráter científico da disciplina, baseada em princípios teóricos próprios, ordenados e verificáveis na prática.

  2. Que regem os órgãos, os agentes: Indica a ordenação da estrutura e do pessoal do serviço público.

  3. E as atividades públicas: Refere-se à série de atos da Administração Pública, praticados nessa qualidade, excluindo as atuações em condições de igualdade com o particular, sujeitas às normas do Direito Privado.

  4. Tendentes a realizar concreta, direta e imediatamente os fins desejados pelo Estado: Define a delimitação do objeto do Direito Administrativo, afastando sua ingerência na atividade legislativa (abstrata), na judicial (indireta) e na ação social do Estado (mediata). O Direito Administrativo não define os fins do Estado, tarefa que cabe a outras ciências. Seu papel é disciplinar as atividades e os órgãos estatais para o eficiente funcionamento da Administração Pública, interessando-se pelo aspecto dinâmico e funcional do Estado.

Relação com os Ramos do Direito

O conceito amplo permite que o Direito Administrativo regule qualquer atividade administrativa, independentemente de sua origem no Executivo, Legislativo ou Judiciário. O ato administrativo não perde sua natureza por ser praticado no âmbito do Legislativo ou do Judiciário, desde que esses órgãos estejam atuando como administradores de seus serviços, bens ou pessoal. Dessa forma, o Direito Administrativo se relaciona com outros ramos do Direito e até com ciências não jurídicas, considerando a complexidade e abrangência das funções administrativas do Estado moderno.

Direito Constitucional

O Direito Administrativo possui uma relação estreita com o Direito Constitucional, pois ambos se ocupam do Estado. O Direito Constitucional trata da estrutura do Estado e da instituição política do governo, estabelecendo os fundamentos e as normas que delineiam os direitos e garantias individuais, bem como os órgãos essenciais.

Em contraste, o Direito Administrativo foca na organização interna dos órgãos da Administração, no seu pessoal e no funcionamento de seus serviços, visando atingir as finalidades estabelecidas constitucionalmente. Assim, enquanto o Direito Constitucional faz a autonomia do Estado, o Direito Administrativo trata da sua fisiologia, ou seja, da sua dinâmica funcional.

Direito Tributário e Financeiro

As relações entre o Direito Administrativo e o Direito Tributário e Financeiro são profundas, uma vez que a imposição e a arrecadação de tributos, a realização de receitas e a efetivação de despesas públicas são atividades eminentemente administrativas. O gerenciamento dessas atividades requer uma interação constante entre esses ramos do Direito.

Direito Penal

O Direito Administrativo também mantém uma ligação com o Direito Penal, especialmente nos crimes contra a Administração Pública, como os previstos nos artigos 312 a 327 do Código Penal. Embora o ilícito administrativo não se confunda com o ilícito penal, a definição de certos crimes está subordinada à conceituação de atos administrativos. Além disso, existem normas penais em branco que dependem de regulamentações administrativas para a sua aplicação.

Direito Processual

O intercâmbio de princípios entre o Direito Administrativo e o Direito Processual (Civil e Penal) é notável. Normas administrativas são frequentemente aplicadas na movimentação processual na Justiça Comum, e a jurisdição administrativa adota princípios processuais para orientar o julgamento de recursos. Leis administrativas muitas vezes determinam a aplicação de normas processuais comuns e princípios gerais do Direito Processual-Judiciário.

Direito do Trabalho

As relações entre o Direito Administrativo e o Direito do Trabalho são significativas, especialmente em instituições de previdência e assistência aos trabalhadores, muitas vezes constituídos como autarquias. A publicização das relações laborais, com o Estado regulamentando e fiscalizando as relações entre empregadores e empregados, aproxima esses dois ramos do Direito, especialmente quando autarquias e empresas estatais contratam empregados sob o regime da CLT para atividades empresariais.

Direito Eleitoral

O Direito Administrativo tem inúmeros pontos de contato com o Direito Eleitoral na organização de votações, apuração de pleitos, funcionamento dos partidos políticos, e fiscalização da propaganda partidária. A parte formal dos atos eleitorais está sob a regência do Direito Administrativo, enquanto o Direito Eleitoral foca nos aspectos materiais e no julgamento dos recursos.

Direito Municipal e Urbanístico

O Direito Administrativo e o Direito Municipal possuem uma simbiose intensa, uma vez que ambos operam no setor da organização governamental, diferenciando-se apenas pelas peculiaridades locais. O Direito Urbanístico, relacionado ao crescimento ordenado das cidades, também está fortemente conectado ao Direito Administrativo, especialmente na regulamentação e controle do uso da propriedade privada e planejamento urbano.

Direito Ambiental

Similarmente ao Direito Urbanístico, o Direito Ambiental surgiu de normas administrativas locais de controle da poluição urbana, sendo posteriormente ampliado para um sistema nacional de proteção ambiental, subordinado ao Ministério do Meio Ambiente. Este ramo do Direito é essencial para a preservação dos recursos naturais e controle da poluição.

Direito do Consumidor

O Direito Administrativo mantém uma íntima conexão com o Direito do Consumidor, uma vez que muitas normas administrativas intervêm nas relações comerciais entre vendedores e consumidores para proteger os interesses dos consumidores.

Direito Civil e Comercial

As relações com o Direito Civil e Comercial são intensas, principalmente no que se refere a contratos e obrigações do Poder Público com particulares. Muitos institutos e regras do Direito Privado são adotados no campo administrativo, evidenciando a influência civilista no Direito Público. Esta miscigenação, contudo, exige cautela para evitar erros judiciários e preservar a correta aplicação dos princípios constitucionais.

Relações com as Ciências Sociais

O Direito Administrativo também mantém estreitas relações com as Ciências Sociais, como a Sociologia, Economia Política, Ciência das Finanças e Estatística. Estas disciplinas, embora não jurídicas, atuam no mesmo campo de estudo - a sociedade - e fornecem contribuições valiosas para o aperfeiçoamento dos institutos e normas administrativas, ajustando-os aos fins desejados pelo Estado conforme a ordem jurídica estabelecida.

Referências

MEIRELLES, Hely Lopes; BURLE FILHO, José Emmanuel; BURLE, Carla Rosado. Direito Administrativo Brasileiro. 42ª ed. São Paulo: Malheiros, 2016. p. 40-48.