Princípios Básicos da Administração
Jun 12, 2024 - por Edpo Augusto Ferreira Macedo
Os princípios básicos da Administração Pública são fundamentais para a orientação da atuação dos agentes públicos e para a interpretação do Direito Administrativo.

Esses princípios visam assegurar a boa gestão dos negócios públicos, a proteção dos interesses sociais e a observância dos direitos fundamentais.
São eles:
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Legalidade: A Administração Pública só pode agir conforme a lei, devendo todas as suas ações estar pautadas em normas jurídicas. Esse princípio é expresso no art. 37, caput, da CF/88.
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Moralidade: Os atos administrativos devem observar padrões éticos e de probidade, refletindo valores de honestidade e justiça. Também previsto no art. 37, caput, da CF/88.
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Impessoalidade: A Administração deve tratar todos os administrados de forma imparcial, visando o interesse público, sem favorecimentos pessoais. Esse princípio é interpretado também como finalidade e está expresso no art. 37, caput, da CF/88.
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Publicidade: Os atos administrativos devem ser transparentes, garantindo o acesso à informação e possibilitando o controle social. Também no art. 37, caput, da CF/88.
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Eficiência: A Administração Pública deve buscar a melhor utilização dos recursos públicos, com presteza, perfeição e rendimento funcional. Esse princípio também está no art. 37, caput, da CF/88.
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Razoabilidade: As ações administrativas devem ser adequadas e proporcionais aos fins que se destinam, evitando arbitrariedades.
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Proporcionalidade: Esse princípio assegura que os meios utilizados pela Administração sejam compatíveis com os fins desejados, não causando excessos.
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Ampla Defesa: Garante aos administrados o direito de se defenderem em processos administrativos, sendo um reflexo do devido processo legal.
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Contraditório: Complementar à ampla defesa, assegura que todas as partes envolvidas em um processo administrativo tenham a oportunidade de contestar e apresentar provas.
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Segurança Jurídica: Visa a estabilidade das relações jurídicas, garantindo previsibilidade e confiança na atuação administrativa.
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Motivação: Os atos administrativos devem ser devidamente fundamentados, explicitando os motivos que levaram à decisão.
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Supremacia do Interesse Público: A Administração Pública deve sempre priorizar o interesse coletivo sobre interesses particulares.
Esses princípios estão implícitos ou expressos na Constituição Federal e são reforçados por legislações como a Lei nº 8.429/1992 , que trata dos atos de improbidade administrativa, e o Código de Processo Civil de 2015 (Lei nº 13.105/2015 ), que exige que a atividade judicial também observe esses princípios.
A Lei nº 9.784/1999 reforça a aplicação desses princípios, demonstrando que a Administração Pública, em todos os níveis de governo, deve pautar-se por essas diretrizes para garantir a boa gestão e a proteção dos direitos dos cidadãos.
Portanto, a observância rigorosa desses princípios é essencial para a legitimidade e eficácia da Administração Pública, sendo imprescindível que os administradores públicos os apliquem de forma constante e sistemática em todas as suas ações e decisões.
Legalidade
O princípio da legalidade é um dos pilares da Administração Pública, estabelecido no caput do art. 37 da Constituição Federal de 1988. Este princípio determina que o administrador público deve sempre agir em conformidade com a lei e com as exigências do bem comum, sob pena de invalidade do ato e responsabilização disciplinar, civil e criminal do agente.
Eficácia da atividade administrativa
A eficácia da atividade administrativa está condicionada ao cumprimento da lei e do direito, conforme art. 22, parágrafo único, inciso I da Lei nº 9.784/1999. Isso demonstra que a legalidade na Administração Pública envolve a observância dos princípios administrativos além do cumprimento formal das leis.
Diferenciação entre Administração Pública e Privada
Na Administração Pública, não há espaço para liberdade ou vontade pessoal.
Diferentemente da administração privada, onde é permitido realizar tudo o que a lei não proíbe, na Administração Pública, só é permitido fazer o que a lei expressamente autoriza. Para o administrador público, a lei implica um dever de agir conforme seus ditames.
Natureza das leis administrativas
As leis administrativas são majoritariamente de ordem pública, possuindo preceitos imperativos que não podem ser descumpridos ou renunciados, nem mesmo por acordo entre as partes envolvidas.
Os agentes públicos possuem poderes-deveres que são inalienáveis, e a função pública exige o cumprimento rigoroso dessas obrigações para o benefício da coletividade.
O princípio da legalidade ganhou maior relevância jurídica com a Lei da Ação Popular (Lei nº 4.717/65), que considera nulos os atos lesivos ao patrimônio público quando eivados de ilegalidade do objeto. Segundo a lei, “a ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa em violação da lei, regulamento ou outro ato normativo” (art. 2º, “c” e parágrafo único, “c”). A Constituição Federal de 1988 reforçou este princípio ao inseri-lo no art. 37, elevando-o à categoria de princípio constitucional.
Legitimidade dos atos administrativos
Para que um ato administrativo seja plenamente legítimo, ele deve atender não apenas à legalidade, mas também à moralidade e à finalidade administrativas.
A administração legítima é aquela que, além de cumprir as exigências legais, age com probidade e em conformidade com os preceitos da instituição pública.
Princípios do Direito e da Moral
Cumprir a lei na sua literalidade não é suficiente.
A Administração deve ser orientada pelos princípios do Direito e da Moral, buscando não só a legalidade, mas também a honestidade e a conveniência para os interesses sociais. Esses princípios são a base para a teoria da moralidade administrativa, que é essencial para a tuação ética e eficiente da Administração Pública.
Moralidade
A moralidade administrativa é um princípio fundamental que deve nortear todos os atos da Administração Pública, sendo condição essencial para sua validade, conforme estabelecido no artigo 37, caput, da Constituição Federal.
Moral jurídica
Esse princípio não se refere à moral comum, mas sim à moral jurídica, caracterizada como um conjunto de regras de conduta derivadas da disciplina interna da Administração.
Hariou esclarece que o agente administrativo, ao desempenhar suas funções, deve discernir entre o bem e o mal, o honesto e o desonesto, além de considerar o aspecto ético de suas ações.
Portanto, a atuação administrativa não se restringe à legalidade formal, mas abrange também a moralidade e a ética, uma vez que a atividade dos administradores deve buscar não apenas a eficiência, mas também a honestidade, evitando prejudicar terceiros e respeitando direitos alheios.
Regras de boa administração
A moralidade administrativa consiste em regras de boa administração e disciplina impostas aos agentes públicos, especialmente no exercício do poder discricionário.
Essas regras são fundamentais para assegurar que a atuação administrativa contribua para o bem comum, preservando o equilíbrio entre as diversas funções administrativas e evitando desvios de finalidade.
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Emenda Constitucional 45/2004 : Reforçou a importância da moralidade administrativa ao prever que as decisões definitivas de mérito nas ações diretas de inconstitucionalidade e as súmulas vinculantes do STF possuem efeito vinculante sobre a Administração Pública. O descumprimento dessas normas constitui ato nulo e pode caracterizar improbidade administrativa, conforme regulamentado pela Lei nº 11.417/2006 .
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Decreto 6.029/2007 : instituiu o Sistema de Gestão da Ética do Poder Executivo Federal.
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Decreto 1.171/1994 : trata do Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil Federal, destacando a necessidade de decidir entre o honesto e o desonesto.
Em síntese, a moralidade administrativa é indissociável da legalidade e da finalidade dos atos públicos, constituindo um pilar essencial para a validade e legitimidade da atuação administrativa, contribuindo para a construção de um Estado que atua em prol do bem comum, com honestidade e ética.
Impessoalidade ou finalidade e igualdade
O princípio da impessoalidade, previsto no art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988, implica que os atos administrativos devem visar exclusivamente ao interesse público, sem beneficiar ou prejudicar indivíduos específicos. Este princípio é uma manifestação do princípio da finalidade, que exige que os atos administrativos sejam praticados conforme o fim legal determinado pela norma jurídica.
O princípio da finalidade impede que os atos administrativos sejam praticados para atender interesses particulares ou de terceiros. Entretanto, é permitido que o interesse público coincida com o interesse de particulares, especialmente em atos negociais e contratos públicos, onde o interesse coletivo pode ser atendido juntamente com a pretensão privada.
O princípio da impessoalidade está intimamente ligado ao princípio da igualdade, conforme os arts. 5º, inc. I, e 19, inc. III, da CF/88, que exigem tratamento igualitário para todos que se encontrem na mesma situação fática e jurídica. A Administração Pública deve tratar desigualmente os desiguais, respeitando as diferenças conforme as especificidades de cada caso.
Promoção pessoal vedada
O art. 37, § 1º, da CF/88, proíbe a promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos em razão de suas realizações administrativas, reforçando a necessidade de impessoalidade e prevenindo a utilização da máquina estatal para autopromoção ou promoção de terceiros.
A Lei nº 9.784/1999 , que regula o processo administrativo no âmbito federal, reforça o princípio da finalidade, estabelecendo que a interpretação das normas administrativas deve garantir o atendimento do fim público, vedando a promoção pessoal de agentes ou autoridades (art. 22, parágrafo único, incs. XIII e III).
Finalidade do ato administrativo
A finalidade dos atos administrativos deve sempre ser o interesse público.
Qualquer desvio desse objetivo configura desvio de finalidade, conforme conceituado pela Lei da Ação Popular (art. 2º, parágrafo único, “e”, da Lei nº 4.717/1965 ), que considera desvio de finalidade a prática de ato com um fim diverso daquele previsto na norma de competência do agente.
Vedação ao desvio de finalidade
A prática de atos administrativos sem interesse público ou conveniência administrativa, visando apenas a satisfazer interesses privados, configura desvio de finalidade e abuso de poder.
Este desvio é uma das formas mais insidiosas de abuso de poder, comprometendo a legitimidade dos atos administrativos.
Razoabilidade e proporcionalidade
Os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, ainda que implícitos na Constituição Federal e explícitos em normativas como a Lei nº 9.784/1999, são fundamentais no Direito Administrativo e na avaliação da atividade administrativa.
Segundo esses princípios, o agente público deve sempre utilizar meios proporcionais à finalidade da lei que está executando, garantindo que sua atuação seja justa, equilibrada e alinhada com o interesse público.
Proibição de excesso
A razoabilidade, frequentemente chamada de princípio da proibição de excesso, visa assegurar que haja compatibilidade entre os meios empregados e os fins pretendidos, evitando, assim, restrições desnecessárias ou abusivas que possam violar direitos fundamentais.
Adequação e pertinência
Esse princípio pode ser entendido como uma diretriz que busca a adequação e pertinência entre a ação administrativa e a finalidade pública almejada, pautando-se pelos “valores do homem médio” (Figueiredo). A razoabilidade impede que a conduta do administrador seja fundamentada em critérios pessoais, devendo alinhar-se com a moralidade, a finalidade pública e a própria razão de ser da norma aplicável.
Limitação da discricionariedade administrativa
A discricionariedade administrativa, embora permitida ao gestor certa liberdade na tomada de decisões, é limitada pelos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Esses princípios ampliam o controle sobre os atos administrativos, permitindo a avaliação pelo Judiciário e Tribunais de Contas.
Assim, a razoabilidade atua como critério na valoração dos motivos e na escolha do objeto do ato discricionário, exigindo uma relação de pertinência entre a finalidade e os padrões de oportunidade e conveniência.
- Lei nº 9.784/1999: reforça esses princípios nos processos administrativos, determinando a observância do critério de “adequação entre os meios e fins” e proibindo a imposição de obrigações, restrições e sanções que ultrapassem o estritamente necessário para o atendimento do interesse público (art. 2º, parágrafo único, VI).
Publicidade
A publicidade é a divulgação oficial do ato administrativo para conhecimento público e início de seus efeitos externos, sendo um requisito de eficácia e moralidade, não um elemento formativo do ato.
Atos irregulares não se convalidam com a publicação, e atos regulares precisam dela quando exigida por lei ou regulamento.
Em princípio, todos os atos administrativos devem ser publicados, com sigilo permitido apenas em casos específicos (segurança nacional, investigações policiais ou interesse superior da Administração).
Publicidade e acesso à informação
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Lei nº 9.784/1999: Atendimento ao princípio da publicidade e divulgação obrigatória dos atos administrativos nos processos.
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Comissão Nacional da Verdade (Lei nº 12.528/2011 ): Requisição de informações, dados e documentos, mesmo classificados.
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Controle dos atos administrativos: Mandado de segurança, direito de petição, ação popular, habeas data, suspensão dos direitos políticos por improbidade administrativa.
Publicidade e transparência
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Princípio da publicidade na Constituição (art. 37, caput): Abrange toda a atuação estatal, incluindo processos em andamento, pareceres, despachos, atas de licitações e contratos.
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Lei nº 12.527/2011 : Procedimentos para garantir o acesso à informação e divulgação obrigatória em sítios oficiais na Internet, com requisitos específicos.
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Dispensa da divulgação na Internet para municípios com até 10.000 habitantes, mas obrigatoriedade de divulgação da execução orçamentária e financeira.
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Subordinação ao regime da Lei nº 12.527/2011: Órgãos públicos, autarquias, fundações públicas, empresas públicas, sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
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Entidades privadas sem fins lucrativos: Aplicação no recebimento de recursos públicos para ações de interesse público.
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Diretrizes: Publicidade como preceito geral, sigilo como exceção, divulgação de informações de interesse público, utilização de tecnologia da informação, fomento à transparência, desenvolvimento do controle social.
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Conceitos: Informação, documento, informação sigilosa, informação pessoal, tratamento da informação, disponibilidade, autenticidade, integridade, primariedade.
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Dever do Estado: Garantir o direito de acesso à informação, de forma transparente, clara e em linguagem de fácil compreensão.
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Responsabilidade por condutas ilícitas: Penas para agentes públicos ou entidades privadas que não observem a lei.
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Responsabilidade por danos: Divulgação não autorizada ou utilização indevida de informações sigilosas ou pessoais.
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Publicação integral, resumo ou extrato: Integral (totalidade do ato), resumo (pontos essenciais), extrato (principais cláusulas de contratos ou convênios e informações indispensáveis).
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Requisitos para publicação: Órgão oficial, atos concluídos, fases de procedimentos administrativos (concorrências, tomadas de preços).
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Eficiência
O princípio da eficiência exige que a atividade administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional.
Este princípio é o mais moderno da função administrativa, não se contentando apenas com a legalidade, mas exigindo resultados positivos para o serviço público e atendimento satisfatório das necessidades da comunidade.
- Emenda Constitucional 45/2004 : Conferiu à eficiência status constitucional. Inseriu no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal, o direito à razoável duração do processo e aos meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
Dever de eficiência
A atividade administrativa deve buscar e produzir resultados razoáveis, atendendo ao interesse público. A presteza e a eficiência são elementos cruciais, cuja inobservância pode caracterizar imoralidade administrativa ou, se dolosa, improbidade administrativa.
Eficiência e promoção na carreira
A EC 45/2004 estabelece a eficiência como critério para promoção de juízes e membros do Ministério Público. Presteza no exercício das funções e não retenção indevida de processos são fatores determinantes para a promoção (art. 93, II, “c” e “e”, e art. 129, § 4º).
Instrumentos para a promoção da eficiência
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Súmulas Vinculantes : As súmulas vinculantes do Supremo Tribunal Federal têm o objetivo de uniformizar a interpretação de normas e afastar controvérsias. Elas promovem a segurança jurídica e a eficiência administrativa.
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Súmulas da Advocacia-Geral da União : As súmulas da AGU são de observância obrigatória por toda a Administração Federal, conforme os artigos 2º e 17, da Lei Complementar 73/1993 .
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Resolução consensual de conflitos: A resolução consensual de conflitos entre particulares e a Administração Pública promove a eficiência. Soluções rápidas e de menor custo, respeitando o regime jurídico-administrativo, contribuem para a segurança jurídica.
Segurança jurídica
O princípio da segurança jurídica é fundamental para a manutenção da ordem jurídica e é considerado uma das vigas mestras do Estado de Direito.
Segundo J. J. Gomes Canotilho e outros, a segurança jurídica se destaca como associada à boa-fé dos administrados e à proteção da confiança.
Interpretação da norma administrativa
A Lei nº 9.784/1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, determina em seu artigo 2º a observância do princípio da segurança jurídica.
Como consequência direta dessa determinação, essa lei proíbe a “aplicação retroativa de nova interpretação” ao tratar da interpretação da norma administrativa (inc. XIII, parte final, do parágrafo único do art. 22). Tal proibição visa evitar a contrariedade ao princípio da moralidade administrativa.
A aplicação do princípio da segurança jurídica na Lei nº 9.784/1999 também se manifesta no artigo 54, que estabelece um prazo decadencial de cinco anos para a anulação de ato administrativo, exceto em caso de comprovada má-fé.
Outra consequência relevante é a modulação temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, prevista no artigo 27, da Lei nº 9.868/1999 .
O artigo 252, da Lei nº 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos) reforça a segurança jurídica ao dispor que o registro, enquanto não cancelado, produz todos os seus efeitos legais, mesmo que se prove a nulidade, extinção ou rescisão do título.
O novo CPC (Lei nº 13.105/2015 ) explicita regras que já estão inseridas na ordem jurídica constitucional e também aplicáveis ao Direito Administrativo e ao processo administrativo. No artigo 927, há disposições voltadas para a segurança jurídica e a proteção da confiança, determinando que juízes e tribunais observem a necessidade de fundamentação adequada ao alterar jurisprudências e enunciados de súmulas, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.
Consolidação de atos nulos
Segundo Almiro do Couto e Silva, admitir a sanatória ou o convalescimento de atos nulos não constitui uma aberração. Em muitos casos, o interesse público prevalece na conservação de um ato viciado que, após a omissão prolongada do Poder Público em invalidá-lo, consolida nos destinatários a crença na sua legitimidade.
Alterar essa situação para restabelecer a legalidade poderia causar maiores prejuízos do que manter o status quo. Assim, em certas circunstâncias, a segurança jurídica prevalece sobre a legalidade como imposição da justiça material, sendo essa a solução adotada internacionalmente, com pequenas variações de país para país.
Boa-fé e confiança
Juarez Freitas e outros também enfatizam a boa-fé dos administrados e a confiança na Administração, destacando a complementariedade desses princípios com a segurança jurídica.
O Supremo Tribunal Federal (STF) reconhece a essencialidade da segurança jurídica e a necessidade de respeitar situações consolidadas no tempo, amparadas pela boa-fé dos cidadãos, inclusive servidores públicos.
Ainda, a moralidade administrativa, similar à “boa-fé subjetiva” do Direito Privado, denota um estado de consciência ou convencimento individual de agir em conformidade com o Direito. Isso inclui a ideia de ignorância ou crença errônea e escusável sobre a existência de uma situação regular.
Motivação
Após a Constituição Federal de 1988, a motivação dos atos administrativos tornou-se uma exigência do Direito Público e da legalidade governamental.
Evoluímos de um Estado absolutista, onde a vontade do monarca tinha força de lei, para um Estado de Direito, onde prevalece a autoridade impessoal da lei.
A Constituição consagra a igualdade perante a lei (art. 5º, caput) e a obrigação de fazer ou deixar de fazer algo somente em virtude de lei (art. 5º, II).
Direitos e garantias individuais
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Proteção contra abusos do Poder Público: A organização dos Estados modernos implica uma autolimitação dos poderes por meio das leis, que subordinam tanto a Administração quanto os administrados.
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Supremacia da Lei: A tendência atual é substituir a vontade individual pela vontade jurídica, ou seja, o comando da autoridade pelo comando da lei.
Necessidade de justificação dos atos públicos
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Irrelevância da vontade do administrador: No Direito Público, a vontade do administrador é de menor relevância. Seus atos devem estar alicerçados no Direito e na Lei.
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Legalidade como pedra de toque: A validade de um ato administrativo decorre de sua conformidade com a legalidade, não da chancela da autoridade.
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Demonstração de base legal e motivo: Todo ato do Poder Público deve evidenciar sua base legal e motivo, assim como um cidadão deve provar sua identidade.
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Prevenção de suspeitas e resistências: A ausência de legitimidade de um ato administrativo pode gerar suspeitas, facilmente superáveis pela motivação.
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Exigência de expressão dos motivos: Leis e regulamentos recentes exigem que os funcionários exponham expressamente os motivos de seus atos, sob pena de irregularidade.
- Presunção de irregularidade: A ausência de motivação presume que o ato não foi executado com a devida ponderação ou interesse público.
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Tendência moderna: O princípio da motivação dos atos administrativos é uma tendência moderna do Direito Administrativo em países democráticos.
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Justificação da ação administrativa: A motivação permite que o administrador público justifique sua ação, indicando fatos e preceitos jurídicos.
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Atos discricionários vs. Atos que afetam interesses individuais: Em atos discricionários, a justificação pode ser dispensável, mas em atos que afetam interesses individuais, a motivação é obrigatória.
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Teoria dos motivos determinantes
A motivação deve apontar a causa e os elementos determinantes do ato administrativo. A teoria dos motivos determinantes destaca a importância desses motivos para a eficácia do ato.
Nesse sentido, a motivação é essencial para a atuação ética do administrador e para garantir o acesso ao judiciário.
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Lei nº 9.784/1999: A legislação federal reforça a observância do princípio da motivação, exigindo que os atos administrativos indiquem pressupostos de fato e de direito.
- Requisitos de motivação: A motivação deve ser explícita, clara e congruente, e sua ausência pode levar à nulidade do ato.
Ampla defesa e contraditório
A Constituição Federal de 1988 (art. 5º, LV) e a Lei nº 9.784/1999 (art. 2º, parágrafo único, VII a XI) tratam da ampla defesa e do contraditório no âmbito do processo administrativo, jurisdicionalizando esse tipo de processo ao assegurar tais garantias não só aos acusados, mas também aos litigantes.
A Lei nº 9.784/99, que regula o processo administrativo federal, reitera a necessidade de observância desses princípios. O art. 2º da referida lei estabelece a obrigatoriedade da Administração Pública de seguir os princípios da ampla defesa e do contraditório. Especificamente, os incisos VII a XI do parágrafo único desse artigo exigem a motivação das decisões administrativas, a observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados, e a adoção de formas simples que garantam um adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados.
Devido processo legal
A motivação das decisões é essencial para que se possa exercer o direito de defesa e contraditório de maneira efetiva. Esse requisito visa assegurar que os administrados possam compreender as razões das decisões que os afetam e, se necessário, contestá-las adequadamente.
Além disso, a legislação garante direitos específicos como a comunicação, a apresentação de alegações finais, a produção de provas e a interposição de recursos.
Segundo Ada Pellegrini Grinover, a Constituição Federal de 1988 estendeu o contraditório e a ampla defesa a todos os processos administrativos, inclusive os não punitivos, desde que exista um conflito de interesses, caracterizando a processualidade administrativa.
No contexto do devido processo legal, é fundamental a observância dessas garantias processuais. Isso inclui a oportunidade de manifestação das partes sobre fundamentos novos, conforme os arts. 9º e 10º, do CPC/2015.
O devido processo legal, na sua acepção processual, exige a plena observância dos direitos das partes envolvidas em qualquer processo administrativo.
Supremacia do interesse público
O princípio da supremacia do interesse público, também conhecido como princípio da finalidade pública, é um dos pilares da Administração Pública, conforme estabelecido pela Lei nº 9.784/1999, no art. 2º, caput.
Este princípio reflete a obrigação da Administração de atender a fins de interesse geral, proibindo a renúncia total ou parcial de poderes ou competência, exceto quando autorizada por lei (art. 22, parágrafo único, II).
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Inerência à atuação estatal: A primazia do interesse público sobre o privado justifica a existência do Estado, visando o interesse geral da coletividade.
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Complexidade de definição: A prevalência do interesse público é extraída da ordem jurídica em cada caso concreto, o que dificulta a sua definição.
Indisponibilidade do interesse público
A Administração Pública não pode dispor do interesse geral da coletividade, nem renunciar a poderes conferidos por lei. O interesse público é titularizado pelo Estado, que, por meio de representantes eleitos, pode autorizar a disponibilidade ou renúncia mediante lei.
Para Celso Antônio Bandeira de Mello, o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado é inerente a qualquer sociedade e condição para sua existência. Embora não especificado em um dispositivo único da Constituição, o princípio é refletido em diversos outros, como a função social da propriedade, defesa do consumidor e meio ambiente (art. 170, III, V e VI).
Implicações jurídicas do interesse público
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Desigualdade jurídica: A supremacia do interesse público é a razão da desigualdade jurídica entre a Administração e os administrados, definida pela lei.
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Interpretação das normas administrativas: Segundo a Lei nº 9.784/1999, inciso XIII do parágrafo único do artigo 2º, as normas administrativas devem ser interpretadas para garantir o atendimento do fim público.
Prerrogativas e privilégios do Poder Público
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Prevalência do interesse geral: Diversos privilégios e prerrogativas são reconhecidos ao Poder Público devido à supremacia do interesse geral.
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Poder de polícia: A prerrogativa de regular e limitar direitos individuais em prol da ordem pública, segurança, saúde, meio ambiente e outros interesses coletivos. Exemplo: Fiscalização de atividades comerciais para garantir conformidade com normas sanitárias e ambientais.
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Desapropriação por utilidade pública: O poder de desapropriar propriedade privada mediante justa indenização, quando necessário para atender a um fim de interesse público. Exemplo: Desapropriação de imóveis para construção de rodovias, hospitais, escolas ou obras de infraestrutura.
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Imunidade tributária: Isenção de impostos sobre o patrimônio, renda e serviços relacionados a atividades típicas do Estado. Exemplo: Imunidade de impostos sobre prédios públicos, como escolas e hospitais, e atividades de assistência social realizadas por entidades públicas.
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Privilégios processuais: Regime jurídico diferenciado nos processos judiciais em que a Administração Pública é parte. Exemplo: Prazo em dobro para contestar e recorrer em processos judiciais, conforme o artigo 183, do Código de Processo Civil.
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Poder de regulamentação: Capacidade de criar normas complementares à lei, para detalhar e operacionalizar sua aplicação. Exemplo: Emissão de decretos regulamentares que especificam procedimentos administrativos, critérios para concessão de licenças e autorizações etc.
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Privilégios creditórios: Preferência no recebimento de créditos em face de particulares em situações de insolvência. Exemplo: Preferência do Estado no recebimento de créditos tributários em caso de falência do devedor, conforme previsto na Lei de Execuções Fiscais.
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Vinculação da Administração Pública: A Administração Pública está vinculada à busca e tutela do interesse público, conforme demonstrado nos princípios e normas acima que regem sua atuação.
Referências
MEIRELLES, Hely Lopes; BURLE FILHO, José Emmanuel; BURLE, Carla Rosado. Direito Administrativo Brasileiro. 42ª ed. São Paulo: Malheiros, 2016. p. 91-113.