Poderes da Administração

Jul 5, 2024 - por Edpo Augusto Ferreira Macedo

Para atender ao interesse público de maneira eficaz, a Administração Pública é dotada de poderes administrativos, que se distinguem dos poderes políticos. Os poderes administrativos são instrumentos de trabalho proporcionais e consentâneos dos encargos atribuídos à Administração. Em contraste, os poderes políticos são estruturais e orgânicos, compondo a estrutura do Estado e integrando a organização constitucional.

Poderes da Administração

Os poderes administrativos são inerentes à Administração e se diversificam conforme as necessidades do serviço público, o interesse da coletividade e os objetivos pretendidos.

São classificados de acordo com a liberdade da Administração na prática de seus atos, da seguinte forma:

  • Poder vinculado e poder discricionário: conforme a liberdade administrativa para a prática dos atos.

  • Poder hierárquico e poder disciplinar: conforme visem ao ordenamento da Administração ou à punição dos que a ela se vinculam.

  • Poder regulamentar: conforme sua finalidade normativa.

  • Poder de polícia: considerando seus objetivos de contenção dos direitos individuais.

Segundo Meirelles, eles podem ser utilizados isolada ou cumulativamente para a consecução do mesmo ato. Por exemplo, “um ato de polícia administrativa é normalmente precedido de uma regulamentação do Executivo (poder regulamentar), em que a autoridade escalona e distribui as funções dos agentes fiscalizadores (poder hierárquico), concedendo-lhes atribuições vinculadas (poder vinculado) ou discricionárias (poder discricionário), para a imposição de sanções aos infratores (poder de polícia).”

Poder vinculado

No ato administrativo vinculado, a Administração Pública deve seguir estritamente as normas legais, tendo sua atuação limitada pela lei quanto à competência, finalidade e forma, além de outros requisitos específicos indicados pela norma.

  • Competência: Deve ser exercido por autoridade competente.

  • Finalidade: Objetivo público específico.

  • Forma: Seguir o procedimento legalmente estabelecido.

  • Requisitos: Outros especificados pela norma.

A ausência de qualquer desses elementos torna o ato nulo, podendo ser declarado nulo tanto pela própria administração quanto pelo Judiciário.

Poder discricionário

O poder discricionário é uma prerrogativa conferida à Administração Pública para a prática de atos administrativos com liberdade na escolha de conveniência, oportunidade e conteúdo, sempre dentro dos limites estabelecidos pela lei.

Esse poder é derivado exclusivamente da lei, seja de forma explícita ou implícita, e não se confunde com o poder arbitrário.

  • Poder discricionário: Liberdade de ação administrativa dentro dos parâmetros legais. O ato discricionário autorizado é legal e válido.

  • Poder arbitrário: Ação que extrapola ou contraria a lei, sendo sempre ilegítimo e inválido. O ato arbitrário é ilegítimo e inválido.

A discricionariedade é relativa e parcial, pois, mesmo quando a lei permite certa liberdade ao administrador, este deve respeitar os princípios da competência, forma e finalidade estabelecidos legalmente.

A discricionariedade administrativa não está acima da lei; ao contrário, deve ser exercida conforme as disposições legais e os princípios que regem a Administração Pública, como a finalidade pública e a moralidade administrativa.

A necessidade do poder discricionário advém da impossibilidade prática de o legislador prever todas as situações que a Administração Pública enfrentará. A lei regula de forma detalhada apenas alguns atos administrativos, deixando os demais à discricionariedade do administrador.

  • Controle interno: A liberdade discricionária está sujeita aos princípios da boa administração e moralidade.

  • Controle externo: A conformidade do ato discricionário com a lei e os princípios jurídicos pode ser analisada pelo Poder Judiciário. O Poder Judiciário pode declarar a nulidade de atos que violem preceitos legais e princípios jurídicos, mas não pode substituir o mérito administrativo pela decisão judicial.

Poder hierárquico

A hierarquia estabelece uma estrutura de subordinação entre os diferentes órgãos e agentes do Executivo, distribuindo funções e gradando a autoridade de cada um. Isso não ocorre no Judiciário e no Legislativo em suas funções típicas, sendo exclusivo da função executiva.

São objetivos do poder hierárquico:

  • Ordenar: Distribuir e escalonar as funções entre os agentes, permitindo que cada um desempenhe eficientemente suas tarefas.

  • Coordenar: Integrar funções para o funcionamento harmonioso dos serviços administrativos.

  • Controlar: Assegurar o cumprimento da lei e das instruções, monitorando a conduta e desempenho dos servidores.

  • Corrigir: Revisar e corrigir erros administrativos através da atuação dos superiores sobre os atos dos inferiores.

A hierarquia impõe aos subordinados a obediência estrita às ordens e instruções legais superiores, delimitando responsabilidades:

  • Dar ordens: Determinar aos subordinados os atos a serem praticados ou a conduta a seguir em casos concretos, gerando o dever de obediência.

  • Fiscalizar: Monitorar permanentemente os atos dos subordinados para mantê-los dentro dos padrões legais.

  • Delegar: Conferir a terceiros atribuições que originalmente competiam ao delegante. No âmbito administrativo, a delegação é comum, mas não pode ser recusada pelo inferior nem subdelegada sem autorização expressa.

  • Avocar: Chamar para si funções atribuídas a um subordinado, prática que deve ser adotada apenas por motivos relevantes, pois desprestigia o inferior e pode desorganizar o serviço.

  • Rever atos: Apreciar os atos dos inferiores em todos os seus aspectos, podendo mantê-los ou invalidá-los, desde que não tenham se tornado definitivos para a Administração nem gerado direitos subjetivos para terceiros.

A desobediência é admissível apenas quando as ordens forem manifestamente ilegais, conforme o art. 5º, II, da Constituição Federal, que afirma que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei”.

A subordinação, decorrente do poder hierárquico, admite todos os meios de controle do superior sobre o inferior. A vinculação, por sua vez, resulta do poder de supervisão ministerial sobre entidades vinculadas e é exercida nos limites estabelecidos por lei, preservando a autonomia dessas entidades.

Poder disciplinar

O poder disciplinar é uma prerrogativa da Administração Pública para punir infrações funcionais de servidores e outros indivíduos sujeitos à sua disciplina.

Ele decorre da necessidade de manutenção da ordem e eficiência do serviço público e se distingue do poder punitivo do Estado, que é exercido através da Justiça Penal para repressão de crimes e contravenções.

São características do Poder Disciplinar:

  • Supremacia Especial: O poder disciplinar é exercido pelo Estado sobre aqueles que têm uma relação específica com a Administração, sejam servidores permanentes ou temporários.

  • Correlação com o Poder Hierárquico: Embora correlato ao poder hierárquico, o poder disciplinar é distinto. Enquanto o poder hierárquico se refere à distribuição e execução das funções administrativas, o poder disciplinar trata do controle do desempenho dessas funções e da conduta interna dos servidores.

  • Discricionariedade: A Administração tem discricionariedade para aplicar sanções disciplinares sem estar totalmente vinculada a uma definição legal prévia da infração e da respectiva pena. No entanto, deve seguir os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, bem como as normas específicas do serviço.

  • Condição de Poder-Dever: O poder disciplinar é também um dever, uma vez que a omissão na aplicação das penalidades pode ser considerada condescendência criminosa (CP, art. 320).

  • Distinção das Penas: As penalidades disciplinares são diferentes das penas criminais, tanto em fundamento quanto em natureza. As penas disciplinares são específicas à relação funcional e ao interesse do serviço público, enquanto as penas criminais visam a repressão de condutas ilícitas sociais mais amplas.

As penas disciplinares no Direito Administrativo Federal são previstas na Lei nº 8.112/1990 e incluem:

  • Advertência;

  • Suspensão;

  • Demissão;

  • Cassação de aposentadoria ou disponibilidade;

  • Destituição de cargo em comissão;

  • Destituição de função comissionada.

A escolha da pena deve ser feita de acordo com a gravidade da infração, atendendo ao interesse do serviço e à eficácia da reprimenda.

A Administração deve respeitar o devido processo legal, garantindo a apuração regular da falta e a oportunidade de defesa ao acusado.

Motivação e legalidade

A punição disciplinar deve ser sempre motivada, ou seja, a autoridade deve justificar a aplicação da pena e os motivos em que se baseia.

A motivação permite verificar a conformidade da pena com a infração e assegura a legitimidade do ato administrativo.

A falta de motivação ou a falsidade dos motivos invocados pode tornar a punição arbitrária e inválida, sujeita a anulação pelo Judiciário.

A motivação não despoja a Administração de sua discricionariedade, mas legaliza o ato punitivo, assegurando que os motivos sejam materialmente exatos e juridicamente fundamentados, conforme a doutrina e jurisprudência moderna.

Poder regulamentar

O poder regulamentar é a faculdade atribuída aos Chefes do Executivo (Presidente da República, Governadores e Prefeitos) para assegurar a correta execução das leis e expedir decretos autônomos sobre matérias de sua competência ainda não disciplinadas por lei.

Quanto à natureza, funções, limitações e características do poder regulamentar, destaca-se:

  • Inerência e privatividade: O poder regulamentar é inerente e privativo do Chefe do Executivo, conforme o artigo 84, inciso IV, da Constituição Federal, sendo indelegável a qualquer subordinado.

  • Complementação da lei: O Executivo possui a prerrogativa de regulamentar a lei e suprir omissões legislativas dentro de sua competência.

  • Resposta a situações imprevistas: O regulamento preenche vazios legislativos e responde prontamente a situações imprevistas que requerem providências imediatas.

  • Respeito às reservas da lei: O regulamento não pode invadir matérias reservadas exclusivamente à lei, especialmente aquelas que afetam direitos e garantias individuais assegurados pela Constituição.

  • Natureza jurídica: O regulamento é um ato administrativo geral e normativo, expedido exclusivamente pelo Chefe do Executivo por meio de decreto.

    • Regulamento de execução: Detalha a forma de aplicação da lei.

    • Regulamento autônomo: Trata de situações não previstas em lei.

Já quanto a hierarquia, alcance, controle, sustação e execução dos atos normativos do Executivo, tem-se:

  • Subordinação à lei: O regulamento é hierarquicamente inferior à lei e não pode contrariá-la, restringi-la ou ampliá-la, limitando-se a explicitar e completar a legislação existente.

  • Competência do Congresso Nacional: O Congresso Nacional pode sustar atos normativos do Executivo que ultrapassem os limites do poder regulamentar, conforme o artigo 49, inciso V, da Constituição Federal.

  • Condição suspensiva: Leis que requerem regulamentação não são exequíveis antes da expedição do decreto regulamentar.

  • Prazo para regulamentação: Se a lei fixa um prazo para regulamentação e este não é cumprido, os destinatários podem invocar os preceitos legais e obter vantagens decorrentes da norma.

    • Mandado de Injunção: Quando o regulamento é indispensável, o beneficiário pode utilizar o mandado de injunção para compelir a edição da norma regulamentadora, conforme o artigo 5º, inciso LXXI, da Constituição Federal.

Poder de polícia

O poder de polícia administrativa é uma das manifestações dos poderes administrativos, diferenciando-se dos poderes políticos exercidos pelos três Poderes do Estado (Legislativo, Judiciário e Executivo).

Enquanto os poderes políticos são estruturais e imanentes ao Estado, os poderes administrativos, como o poder de polícia, são contingentes e instrumentais à Administração Pública.

O poder de polícia administrativa consiste na prerrogativa conferida à Administração Pública para condicionar e restringir o exercício de direitos e atividades particulares em benefício da coletividade, visando preservar a ordem pública, a segurança, a saúde, e o meio ambiente, entre outros interesses coletivos.

Ordem pública é o conjunto de regras formais emanadas do ordenamento jurídico da Nação, regulando as relações sociais de interesse público para estabelecer um clima de convivência harmoniosa e pacífica, fiscalizado pelo poder de polícia (Decreto nº 88.777/1983).

Trata-se de um mecanismo de controle utilizado pela Administração para evitar abusos de direitos individuais que possam ser contrários, nocivos ou inconvenientes ao bem-estar social, ao desenvolvimento e à segurança nacional.

Conforme o Código Tributário Nacional, art. 78, considera-se poder de polícia a atividade da Administração Pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, higiene, ordem, costumes, disciplina da produção e do mercado, exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, tranquilidade pública ou respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

  • Poder de Polícia

    • Originário: Inerente à entidade que o exerce, sendo pleno no seu exercício.

    • Delegado: Limitado aos termos da delegação; não inclui a imposição de taxas, mas permite a aplicação de sanções regulamentares aos infratores.

  • Polícia Administrativa

    • Incidência: Bens, direitos e atividades.

    • Disseminação: Presente em toda a Administração Pública.

      • Polícia Administrativa Geral: Cuida genericamente da segurança, salubridade e moralidade públicas.

      • Polícia Administrativa Especial: Aplica-se a setores específicos da atividade humana que afetam bens de interesse coletivo, como construção, indústria de alimentos, comércio de medicamentos etc.

  • Polícia Judiciária e Polícia de Manutenção da Ordem Pública

    • Incidência: Pessoas, individualmente ou indiscriminadamente.

    • Especificidade: Privativas de determinados órgãos (Polícias Civis) ou corporações (Polícias Militares e Guardas Municipais).

A competência para o exercício do poder de polícia se distribui conforme a descentralização político-administrativa do Estado brasileiro:

  • União: regula e exerce o poder de polícia sobre assuntos de interesse nacional.

  • Estados: tratam de matérias de interesse regional.

  • Municípios: regulamentam e policiam questões de interesse local.

    • Preservação da ordem pública: Não compete ao Município (arts. 34 e 35 da CF).

    • Guarda Municipal: Município pode constituir guardas municipais para proteção de seus bens, serviços e instalações (art. 144, § 8º da CF e Lei 13.022/2014 ).

      • Exercício de funções de polícia: Em competências específicas, como as de trânsito, conforme o Código de Trânsito Brasileiro.

      • Normas gerais: Instituídas pela Lei nº 13.022/2014, estabelecendo princípios mínimos de atuação, competência geral e específica.

Há, entretanto, situações em que o poder de polícia é exercido concorrentemente por mais de uma esfera de governo, especialmente em matérias que afetam simultaneamente diversas esferas, como saúde pública e trânsito.

  • Caráter irrenunciável do poder de polícia: A entidade competente não pode renunciar ao exercício do poder de polícia, uma vez que este poder é de natureza irrenunciável, assegurando que a Administração Pública cumpra seu dever de preservar os interesses coletivos.

  • Atos de polícia: Os atos de polícia são atos administrativos que se distinguem por sua finalidade e pelos meios de coação de que dispõem, mas que, como todos os atos administrativos, se subordinam ao ordenamento jurídico vigente. Estão sujeitos ao controle de legalidade pelo Poder Judiciário, garantindo que seu exercício esteja de acordo com a lei e os princípios gerais da administração pública.

O regime de liberdades públicas assegura o uso normal dos direitos individuais, mas não permite abuso ou exercício antissocial desses direitos.

A supremacia do Estado se revela nos mandamentos constitucionais e nas normas de ordem pública, impondo condicionamentos e restrições aos direitos individuais em favor da coletividade.

Cada restrição de direito individual corresponde ao poder de polícia administrativa da Administração Pública, visando torná-las efetivas e obedecidas.

  • Limitações aos direitos individuais: liberdades pessoais (CF, art. 5º, VI e VIII); direito de propriedade (CF, art. 5º, XXIII e XXIV; art. 186); exercício das profissões (CF, art. 5º, XIII); direito de reunião (CF, art. 5º, XVI); direitos políticos (CF, art. 15); liberdade de comércio (CF, arts. 170 e 173); política urbana (CF, art. 182); e meio ambiente (CF, art. 225).

A Administração pode condicionar o exercício de direitos individuais delimitando a execução de atividades, e condicionando o uso de bens que afetam a coletividade em geral, contrariem a ordem jurídica estabelecida ou se oponham aos objetivos permanentes da Nação.

  • Condicionamentos aos direitos individuais: uso normal e regular (CC, art. 188); proibição de abuso; e direito de vizinhança (CC, arts. 1.277 e 1.299).

Todo bem, direito ou atividade individual que possa afetar a coletividade ou pôr em risco a segurança nacional apresenta a necessidade de regulamentação, controle e contenção pelo Poder Público.

  • Leis específicas: Lei dos Recursos Hídricos; Código de Mineração; Lei Florestal; Código de Caça e Pesca; Lei do Meio Ambiente; etc.

As restrições aos direitos individuais ficam a cargo da polícia administrativa, que deve garantir o bem-estar social sem anular liberdades públicas ou direitos fundamentais assegurados pela Constituição, como o direito de propriedade e o exercício de profissão regulamentada ou atividade lícita.

  • Amplitude do poder de polícia: Proteção à moral e aos bons costumes; preservação da saúde pública; controle de publicações; segurança das construções, dos transportes e da via viária; e segurança nacional.

Condutas de indivíduos ou empresas que tenham repercussões prejudiciais à comunidade ou ao Estado estão sujeitas ao poder de polícia preventivo ou repressivo, visto que “ninguém adquire direito contra o interesse público” (TJSP, RJTJSP 128/391).

  • Tipos de Polícia nos Estados modernos: de costumes, sanitária, das construções, das águas, da atmosfera, florestal, de trânsito, dos meios de comunicação e divulgação, das profissões, ambiental e da economia popular.

    • Limites do poder de polícia: Interesse social conciliado com os direitos fundamentais do indivíduo assegurados na Constituição (art. 5º); a derivação dos limites da Constituição Federal, seus princípios e da lei.

    • Relatividade dos direitos: Predominância da ideia de que os direitos individuais são relativos; o direito do indivíduo não é absoluto, pois o homem não é soberano na sociedade.

    • Concessão de direitos à comunidade: Cidadão cede parcelas mínimas de seus direitos em troca de benefícios públicos (segurança, ordem, higiene, sossego, moralidade).

Referências

MEIRELLES, Hely Lopes; BURLE FILHO, José Emmanuel; BURLE, Carla Rosado. Direito Administrativo Brasileiro. 42ª ed. São Paulo: Malheiros, 2016. p. 137-154.